quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

MEMÓRIAS DO ARQUIVO



Já fez quarenta anos que regressei da minha segunda tranche na guerra colonial.
Tinha vinte e três anos, sete anos de Marinha, e quarenta e sete meses teimosamente vividos e sofridos numa tentativa que se previa em vão.
Era uma guerra com igual características, já antes experimentada e abandonada por países, muito mais poderosos que Portugal.
Dos soldados portugueses, poucos eram os que entendiam a expressão de uma guerra que à partida estava perdida. Os combatentes que serviram os ideais do poder político instituído foram uns heróis, muitas vezes mesmo, uns super homens.
Mas não foi só no terreno dos três teatros em que conflito estava instalado, que tais homens, na sua grande maioria, foram colocados à prova de forma pouco honrosa, por muito dolorosa, e pouco respeitosa. Foi assim sem exagero que se traduziram muitas das viagens dos que foram e dos que voltaram. Infelizmente, em nenhum caso, regressaram todos os que embarcaram. É pois, a razão sem negação da minha razão, acreditem nela ou não.

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Viagem de compensação pelo fim da missão

Vou tentar, sem imagem, fazer uma abordagem,
sem VIlanagem, como vi e senti, esta viagem...

Julgo que não foi só a pressa de chegar, que nos levou a embarcar de Luanda para Lisboa sem nada questionar, numa coisa que era tão boa, e que nem tinha um nome á balda, chamado Ana Mafalda.

É o que quero aqui recordar, a quantos tiveram a coragem de tal percurso suportar, com a miragem de à Pátria regressar.
Foi uma viagem que não nos honrou, mas em que muito se sofreu e lutou, contra um inimigo que não aparecendo, disparando ou matando, nos ia torturando, porque o mar não estava doce ou mesmo brando, e à medida que o tempo ia passando, cada vez mais nos asfixiava, e os nervos de todos arrasava.
Bem nos podíamos ter recusado embarcar, ao não se colocar a hipótese de tal solução, não foi por falta de razão, mas pelo respeito e admiração que sempre tivemos pelo nosso comandante que não merecia tal negação.
Qual Titanic qual carapuça!.. Pobres daqueles passageiros, que fizeram parte da sua viagem inaugural, que se julgaram os maiores, porque inauguravam o maior e melhor paquete do mundo, afinal quase todos morreram.

E que ignorantes foram, todos aqueles que nos anos sessenta, fizeram cruzeiros à volta do mundo, pensando certamente que o faziam, nos melhores paquetes da época.
Tristes incultos - coitados!.. não tiveram o privilégio de viajar num barco de carga à balda, de nome Ana Mafalda, ou mesmo no Niassa seu comparsa. Felizmente, que lhes foi vedada essa hipótese, porque assim, muitos milhares de homens despidos de arrogância mas fardados de orgulho; não foram privados, de fazer inesquecíveis viagens em transatlânticos de tão alto gabarito, onde até reinava, quem diria, muita nostalgia sem aqueles gritos de alegria a que uma viagem de regresso normalmente conduziria.

E falando do barco Ana Mafalda, a que chamavam navio, mas que por graça, quem dele se serviu, até lhe chamava barcaça sem propósito de chalaça, e que, quando encostado ao cais, se a maré estava vazia, quase não se via, assim que a maré ia enchendo, ele lá ia aparecendo todo vaidoso e engalanado, devia ter sido mesmo amaldiçoado, para assim ser utilizado era um monstro mal abençoado, muito mal arquitectado, e pouco adequado, para quem tinha passado dois anos, longe de tudo e todos a quem muito se queria, sem mais poder ver quem morria, quem nascia, ou mesmo aconchegar a roupa ao filho que dormia. (alguns diriam com ironia e ingratidão, que foram uma férias à maneira, bem descansados, debaixo da bananeira, bem saciados do que melhor havia, e com hipocrisia alguém diria, que, nem sequer se morria.!!!)

Quem não lembra com nostalgia, aquele dia em que, frente ao Tenerife todos estávamos a ver que o herói as ondas não ia vencer, porque ritualmente a ilha se deixava de ver, e sempre que de frente contra as ondas se empinava, logo nas seguintes se afundava, era uma luta tão árdua, que até o hélice fora da água trabalhava, e quando a noite se apresentava carregada de um luto resoluto, e o mar estava bruto, até nos fazia pensar que ao puto não íamos chegar.

Mas felizmente para tais primatas que no mar lançaram, que os piratas que outrora o mar sulcaram, acabaram, porque tropas com tal moral, qualquer abordagem ia resultar mal, e desculpem insistir, mas nem uma fisga tínhamos para resistir, ou local para fugir.

Mas se acham que chega de palavras tão pouco amáveis ou mesmo intragáveis, vamos lembrar coisas mais agradáveis, por ventura, mais saudáveis! Quem não recorda todo o esplendor daquele convés tamanho, onde se perfilavam as casas de banho, que com um cheiro assinalável, sendo um local pouco invejável, era muito desejável para quem lá precisava de ir, mas que, imediatamente lhe apetecia fugir, será que por ser um sitio onde tudo estava bem, e nada se encontrava mal! É que, mesmo com dor de barriga, os intestinos numa briga, ou a bexiga a rebentar, mais valia aguentar, e com um discreto olhar, fazer directamente para o mar. Mas tornava-se num tormento, tinha-se que estar sempre atento, não fosse alguma piranha com manha, saltar e a minhoca abocanhar, e é bom de prever o que ia acontecer, com o brinquedo tão chocho e frouxo, não dava para entreter, porque a ninguém dava prazer, e a madrinha de guerra que se tornara namorada, não tinha nada, que a fizesse sentir compensada por tanto ânimo e escrita dispensada.

Tudo estava previsto, bem sei, mas eu não desisto e insisto uma vez mais, de que em tal transporte, que não é imaginário, qualquer Veterinário, não permitiria o embarque de outro tipo de animais.
Banho não havia, a não ser quando chovia, tomado na água empossada nos oleados que então cobriam as bocas do porão, onde no seu interior reinava a confusão, e a grande maioria fazia que dormia, com uma forte dose de agonia, que a muitos envolvia, prenda que ninguém queria.
Qual primitivo! Era apenas um camarote colectivo, que por ser tão selectivo, lá se metiam mais e mais, que não sendo propriamente animais irracionais, era tratados como tais, como se fossem filhos, que não tivessem pais. E isso foi demais.

Não recordo se havia refeitório ou não, mas se existia, do dormitório devia ser irmão. Quem não lembra com orgulho, aquelas refeições com feijão cheio de gorgulho, que provocava uma verdadeira guerra intestinal, que por vezes nos fazia sentir tão mal, desencadeando um verdadeiro tiroteio, e o cheiro que impregnava a zona, não era de perfume, mas sim do azedume do vomitado de algum coitado, que continuava deitado de tanto enjoado, e desde que no navio entrou, nunca mais o mar olhou.

Do bom manjar que lhe era dado, pouco ou nada ele comia, de tão almariado. E para estes, o tempo nunca mais passava, porque nada ajudava, o barco pouco andava e só balançava, o enjoo não passava, e a maravilhosa viagem nunca mais terminava. Mas o que mais se desejava, era que o artista não parasse, e algum amargurado pensasse, por ter acordado estremunhado, que o tormento tinha acabado, e ao mar se atirasse,
pensando ser o cais onde alguém o amparasse.

Também no Titanic, onde nada faltava, e nem sequer se enjoava, porque até em cima de uma mesa se dançava à grande e à francesa, lembro aquela beldade que no convés o vento fustigava, e que por pouco ou nada ao mar se atirava, valeu-lhe na hora decisora, uma mão salvadora. Mas no Ana Mafalda se o milagre existiu!.. ainda bem, mas nenhuma senhora se viu, nossa ou de alguém.

Não é uma tentação, mas quem viu, é fácil chegar à conclusão que também no Titanic a viagem foi até à exaustão, mas coitados! só lhes faltou dormir no porão, o que para nós, foi uma especial distinção, e da qual guardamos imensa gratidão.

Mas, eis que alguém, com uma voz rouca que mais parecia do além, á boca do porão grita, terra á vista!., não é sonho não!!, venham ver se a certeza querem ter. Até que enfim, exclamaram alguns com o coração amargurado, e de tudo já saturado, mais valia vir a nado ou de bote, mas tivemos pouca sorte.
Mas, alguma compensação acabou por existir, porque até viajamos sem passaporte, o que é estranho, tal empenho, porque mesmo na carga a granel, tem que haver sempre um papel, chamado carta de porte. Não fomos apanhados no mar alto, porque terão pensado que íamos a salto. Merecíamos outra consideração ao fim de uma comissão em que todos fomos iguais, não foi justo, sermos transportados que nem animais. Merecíamos mais.

Ainda não havia sol, mas é a nascente que nos aparece a ponte, quase em cima do cais, de onde se vêem os sinais, de alguns lenços, com os quais, as lágrimas, dos que chorando, iam limpando, é a angústia de quem desespera, de tanta espera. Aproximava-se a hora de desembarcar, mas era esquisito, porque o dito, não havia meio de atracar, e todos ansiávamos por aquele pessoal abraçar, o que estava bem difícil de concretizar.
Terminada a viagem frustrante naquele casco flutuante, finalmente a entrada, que se esperava triunfante, mas em vez de entrarmos de frente para aquela gente, surge o último revés, talvez por causa da maré, ou do calado do malfadado, entramos de marcha a ré.
Não fora todos aqueles homens em bicos de pés, naquilo que era chamado o convés, e toda aquela gente feliz e crente no cais, ia pensar que era demais, porque um barco fantasma estava a chegar. Mas para quem a viagem foi uma eternidade, ainda soube no fim, ter alguma dignidade, mostrando capacidade, para continuar a luta, disparando à bruta, sobre o inimigo dos nossos amigos, que era a saudade. Sentimento e instinto fraternal, em qualquer animal, seja ele qual.

Se esta brincadeira não foi totalmente entendida como verdadeira, desculpem a omissão pela pouca exactidão, mas é a minha visão e os argumentos da minha razão!.. Foi um olhar distante, duma viagem frustrante, numa coisa que era flutuante, mas de que ninguém ficou amante.

E para terminar, este fraco exemplar, que ninguém pretende magoar, estes versos vos quero deixar:

Não é disto que nos orgulhamos
Mas de coisas mais ousadas
É por isso que aqui estamos
Lembrando águas passadas

Turistas felizardos e sem mágoa
Sem camarote e numa boa
Debaixo da linha de água
De Luanda para Lisboa

Esta prosa não foi sonhada
Foram dias de sofrimento
A honra não foi estimada
E o militar não era jumento

Igualdade era uma mentira
Que se ia difundido
Medida que não se afira
É investimento perdido

Penalizou-se uma geração
Numa luta para perder
Foram sacrifícios em vão
Não assumidos pelo poder

Foi muita desconsideração
Que ainda hoje não enjeito
Por quem deu tudo à nação
Houve muita falta de respeito

Hoje já mais velhotes
Sentimo-nos rejeitados
Por um bando de coiotes
À ingratidão acorrentados
Beijo ou abraço sem embaraço
Mário Manso


segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

A FORÇA DAS PALAVRAS

NÃO SÃO NECESSÁRIAS MUITAS PALAVRAS PARA QUE NOS SINTAMOS RECOMPENSADOS.

As três linhas seguintes, foi o comentário à minha última postagem.

Valeu a pena a espera!! Depois de ler estas linhas, consigo acreditar que ainda há pessoas que se preocupam com o seu semelhante, e que a Amizade verdadeira não pode desaparecer. Bem haja Sr. Mário!

São estes vocábulos carinhosos com que nos envolvem e alimentam, que me fizeram fazer estes versos que envolvem algumas facetas da amizade a que se refere a Neyde Susana, e que por sua culpa, ofereço aos meus amigos neste fim de ano. Bem haja minha amiga.

A amizade foi determinante
Em muitos momentos da guerra
Sem ponderar cada instante
Fez descer homens à terra

Os amigos da vida militar
São mesmo muito especiais
E não é fácil aquilatar
Porque diferentes dos demais

Houve momentos na guerra
Por incrível que pareça
Que tornou o homem fera
Sem que amizade se esqueça

Colocaram a vida em perigo
Sem por isso darem conta
Estando em causa o amigo
Tudo e todos se confronta

Há amigo que não se esquece
Não pela sua beleza exterior
Porque aquilo que enriquece
É o que lhe vai no interior

Bonitos por fora lindos por dentro
Sempre e em qualquer momento
É nesses que mais me concentro
Com que meu espírito alimento

Quando morre um amigo
Morre um pouco de nós
Vai-se um alimento antigo
Que nos torna ainda mais sós
BOM ANO COM BEIJINHOS E ABRAÇOS DESTE VOSSO AMIGO.
Mário Manso

sábado, 27 de dezembro de 2008

DE NOVO O FUZILEIRO LAU.





Não fora os fuzileiros, e coisas agradáveis há, que nunca não seriam vividas.



Vem isto a propósito de um encontro que há dias tive com um camarada a quem rapidamente dispensei uma admiração muito especial. Trata-se do nosso camarada e amigo Lau, pessoa de tão afável que é, nos leva sem reservas a coloca-lo naquele pedestal que reservamos, só a algumas pessoas. Tinha-mos como principal objectivo, participar no jantar de natal do núcleo de fuzileiros do porto, aproveitei levar um CD do José Campos e Sousa, que me tinha sido por ele solicitado. Não tendo a certeza de o encontrar no evento, envolvi os outros dois que faziam parte do trio que representava da Associação de Fuzileiros, “o Dr. Ilídio Neves e o Sarg. Couto”, propondo-lhes uma visita ao camarada ainda não conhecido pessoalmente por eles, ao que de imediato acederam. Surgiu entretanto um problema: o contacto tinha ficado em Lisboa. Mas como se aprendeu nos Fuzos, que os objectivos são para conquistar, não baixámos os braços e acto continuo contactei um outro camarada, que vivendo na sua área me podia servir de guia para o propósito em causa.



A estratégia resultou em cheio porque mesmo não sabendo de tal criatura, ia tentar desbravar a mata que nos estava a dificultar a progressão, passado poucos minutos, chega-nos a informação de que um outro camarada de nome Pinto conhecia o seu estabelecimento. Sugeriu-me que fossemos ter com ele a uma sociedade em Vila Nova de Gaia (Rechousa) que dava pelo nome de Associação Recreativa de Canelas.



Fomos ai recepcionados, por seis camaradas que entusiasticamente nos receberam, levando-nos de imediato a conhecer as instalações, tendo como agradável surpresa um espaço privilegiado muito bem decorado e acolhedor onde se enfatiza o orgulho de Fuzileiro. Daqui lhes endereço os meus parabéns, porque vai certamente congregar e reactivar outros camaradas da região.



Entretanto, fomos convidados para ir com eles almoçar, o que foi aceite, dado que estava a chegar a hora. O almoço foi recheado de um menu tal, para o qual, nem é preciso ter apetite. Algo falhou no fim do repasto o que não é normal acontecer nos fuzos, que foi, quando se tratou de pagar o que era nosso propósito, não nos deixaram, mas nem sequer permitiram que fossemos solidários.



Depois destas simpáticas emboscadas, progredimos decisivamente para aquele que era agora o objectivo primeiro, levar o CD ao Lau. O estabelecimento estava fechado, mas rapidamente se ultrapassou o obstáculo e passado pouco tempo estamos no objectivo. Fomos recebidos com uma alegria incontida. Primeiro pelo Peniche, seu cunhado, depois a esposa do procurado um pouco perplexa, chama pelo marido, enquanto a sossegava de que não se tratava de nenhum assalto! Ao fundo aparece o nosso camarada, transbordando de alegria que quase o sufocava.



Por sua causa, estavam ali reunidos onze Fuzileiros, o que para ele era impensável que alguma vez pudesse acontecer. O que se seguiu, foi por todos os presentes, vivido de forma especial, contagiados que estavam por toda a alegria que o Lau a Esposa e o Peniche irradiavam. São momentos que raramente se vivem tão intensamente.



O facto de lhe interromper-mos o seu preparo para participar no evento do núcleo do porto, para o qual é necessário uma programação atempada, não o deixou atrapalhado transpirando uma evidente preparação de Fuzileiro.



São estas as verdadeiras lições de vida, que nos tornam muito pequeninos, porque o Lau é um gigante.



Admiro tua força de viver
E a alegria que nos ofereces
Porque conseguiste sobreviver
Da tragédia que não esqueces

Ser teu amigo é regalia
Nem de todos ao alcance
Teu sorriso tem magia
Como música que se dance

Um abraço anfíbio deste camarada Fuzo.

Mário Manso