quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
RESPOSTAS À PERGUNTAS PARA A RÚBRICA, A MINHA GUERRA
FEZ PARTE DE QUE BATALHÃO?
Não fiz parte de batalhões porque a Marinha no Ultramar não funcionava com esse tipo de unidades. Nos fuzileiros funcionava-se com unidades autónomas que eram os Destacamentos de Fuzileiros Especiais, e as Companhias de Fuzileiros Navais ou mesmo, pelotões de reforço.
Fiz parte do Destacamento de FZE nº 6 em Angola entre 1963e 1965, e de 1966/1968 na Companhia nº 10 de FZ. Estas duas unidades foram comandadas pelo mesmo Comte. e de ambas fizeram parte alguns Marinheiros Cabos e Sargentos.
QUANDO É QUE CHEGARAM?
A chegada a Luanda acontece no dia 30 de Setembro depois de longos 9 dias. Esta minha primeira viagem, ficou marcada por um episódio que retrata, de alguma forma, a força, que os homens têm, quando há união de esforços, e se o espírito de camaradagem é forte, a capacidade é enorme. É assim que ao segundo terceiro dia de viagem os homens de Marinha embarcados, resolvem unir-se para levar a efeito um levantamento de rancho. Tendo germinado a ideia, tentei e consegui com alguma dificuldade, aliciar um camarada já com vários anos de vida Militar, tendo recaído sobre o saudoso Vinhais, que tinha já dado luta à União Indiana, quando nos resolveu atacar. Tendo feito com ele o curso de Fuzileiro Especial, era notório o respeito que por ele se tinha, porque para além do seu porte físico e da idade, era daqueles difícil de torcer. A estratégia traçada é colocada em marcha mesmo tendo em conta, que éramos quanto muito, 4% do total dos militares embarcados. É fácil concluir que era um objectivo bem difícil de concretizar. Mas a decisão foi tomada, e colocada em prática no terceiro almoço da viagem. Ninguém da marujada comeu. Todo o outro pessoal, que daquele primeiro grupo fazia parte, não percebendo o que se estava a passar, tentaram alguns, reforçar a sua refeição, o que não foi por nós permitido. Depois, outros acontecimentos subjacentes aconteceram, mas que soubemos sempre ultrapassar, com a força que nos dava o nosso espírito de corpo.
SOUBE LOGO PARA ONDE IA?
Nos Fuzileiros não havia pessoal obrigado, logo, eu e muitas outras centenas de camaradas, foram voluntários várias vezes: para a Marinha, para Fuzileiro, para tirar o curso de FZE, e para fazer parte da unidade a que também aderiram para o ultramar, assim aconteceu comigo as duas vezes. Portanto sabíamos para onde íamos e tínhamos uma noção muito aproximada da realidade que íamos enfrentar, em cada um das províncias, se assim não foi no inicio da guerra, logo a seguir, todos iam com a consciência do que se iria ter pela frente, para tanto, a partir dos fins de 63 todas as unidades de Fuzileiros que foram para o ultramar, levava pessoal já com experiência de guerra. Logo que se chegava, imediatamente se era aliciado para fazer parte de uma nova unidade em formação. Assim aconteceu durante os treze anos do conflito. Muitos dos voluntários que se alistaram na Marinha e que foram para a especialidade de Fuzileiro, aos vinte e dois anos muitos deles, tinham já no seu curriculum duas comissões, tenho muitos filhos da Escola, com quatro permanências, algumas divididas pelas três províncias. Esta é uma característica, muito específica, que traziam ao grupo, um valor acrescentado de grande valia. Porque uma unidade que disponha de vários homens com tanta experiencia, solidificava o grupo pela confiança que davam à vertente humana, que depois se projectava na sua acção em combate. A Marinha terá sido a arma que mais beneficiou de pessoal voluntário, na casa dos 17 anos e menos até, uma voluntariedade que foi estrategicamente aproveitada, para o preenchimento dos quadros, jovens que cedo se emanciparam da sua juventude, pelas responsabilidades que antes de tempo, tiveram de assumir.
O QUE SENTIU QUANDO CHEGOU?
Da primeira vez, chegados a Luanda as expectativas eram algumas, será fácil concluir quais, algumas delas. A aproximação que se fazia lentamente, ao porto de Luanda dava uma sensação de bem estar, fazendo esquecer as diabruras, a que uma guerra pode conduzir os homens, e do alivio das dificuldades sentidas naquela viagem que estava prestes a terminar. Havia um desejo enorme de convivência com aquela nova realidade, que nos era oferecida pela existência de um conflito, que ainda nos era marginal mas que, já flutuava na nossa imaginação. Entrar em contacto com aquela nova realidade em que íamos estar inseridos, enriquecia -nos a imaginação em todas as suas vertentes. Estava ali à mão uma nova cultura para desfrutar, e isso só por si já era aliciante para um jovem com dezoito anos, a questão do confronto mais belicista, teria em cada momento, a réplica mais adequada em função da instrução adquirida, que nos dava alguma capacidade e conforto.
COMO FORAM OS PRMEIROS TEMPOS?
Terminada a viagem onde por alguns momentos até nos fez sentir uns ilusórios privilegiados, estava agora para começar a interiorização da peça de teatro ensaiada pelos mentores daquela guerra de cujas razões, não entendíamos muito bem. Não faltava muito, para que passássemos de meros espectadores a actores, sem direito a palmas, mas a tiros a sério, e não de cerimónia.
Nos primeiros dois meses foi uma adaptação ao clima, com treinos intensivos das práticas adquiridas no curso. Seguidamente o Zaire foi o nosso primeiro salto da Cidade. Depois regressamos a Luanda substituindo outro Destacamento que esteve em intervenção. Ao tomarmos a sua missão, somos incumbidos de fazer uma operação, numa zona pouco infestada de guerrilheiros, mas onde o grau de dificuldade, pela falta de água sentida, foi muito e dolorosamente sentida. Só não houve a lamentar, os efeitos de algum descontrolo, porque a nossa capacidade de resistir às adversidades, ajudou a dar volta por cima. Dois dias e duas noites só com um cantil de água, é obra tal, que um ser humano se obriga a beber, o que é impensável. Lembro todo aquele grupo, vencido fisicamente num charco onde havia esqueletos de animais que ali morreram, onde se procurava algumas gotas que ajudassem as gargantas sequiosas. O Camarada Russo e o Esquelas assim éramos tratados não se resignaram e acabaram por descobrir a alguma distancia um nascente, sim! Porque ali se iniciava o que mais adiante se transformava numa ribeira. Passados mais de quarenta anos, não consigo conter uma forte admiração e respeito, por todos quantos, de todos os quadrantes, passaram por situações semelhantes.
QUANDO VOLTOU?
O regresso desta primeira estada na guerra tem início, em Luanda a 23 de Outubro com chegada a Lisboa a 02 de Novembro de 1965 vinte e cinco meses depois de ter partido. A segunda etapa da minha guerra, medeia o dia 08/06 /66 e 05/08/68 o que perfaz 47 meses em África, para onde fui sem carta de chamada, e sem pagar viagens. E que hoje, apenas nos dá direito, a não ser respeitado por alguns aprendizes de feiticeiros que não tiveram, não têm, e julgo que jamais terão respeito pelos Ex COMBATENTES, que tudo deram e nada pediram. Resta-nos apenas, o direito à indignação. Foi grande o contributo que demos ao País, e lhes proporcionamos até, acharem-se com o direito, a não terem apreço por quem deu o melhor da sua juventude, e muitos a vida. Quando a ingratidão, não tem justiça nem razão, nunca será boa solução, dos timoneiros da nação! Mas muitos deles, assim são! Por isso a minha indignação.
Não fora os grandes amigos e camaradas, que resultaram dos meus quase oito anos de vida militar e tinha sido um tempo para não lembrar. Para além disso, como Fuzileiro uma vez fuzileiro para sempre, faz jus ao nosso lema, e de que muito me orgulho, bem como todos que por aquela casa passaram, cá me vou amparando psicologicamente, encontrando alguma realização, no contribuindo possível que vou dando na Associação de Fuzileiros, que se propõe unir esta nossa família, que dispersa pelo mundo encontra nesta identidade a forma de dar vida ao património de valores que são os Fuzileiros.
QUAL FOI O DIA MAIS MARCANTE? E PORQUÊ?
É mais que um, os dias que me marcaram. Um deles foi aquele em que, na saída para a segunda comissão em que o Niassa se deslocava paulatinamente em direcção à barra, e por estibordo aparece no bairro de São Mateus, com um grande pano branco que desfraldado nos acenava. Aquele sinal tinha-me especialmente, como destinatário. Era a minha Madrinha de Guerra da primeira comissão, agora já Namorada e hoje, minha Companheira, que fazia de sinaleiro, como se chama na Marinha, que me enviava uma mensagem bem descodificada aos olhos de todos quantos se aperceberam daqueles sentidos sinais de adeus.
Antes, em Março de 1964, quando debaixo de fogo depois de ter levado um tiro, algumas pedras espantadas pelos tiros que não me acertando me causavam uma sensação estranha demais para poder ser compreendida por muitas das pessoas que nunca estiveram sequer debaixo de fogo.
Mais tarde, já na vida civil, foi quando encontrei um amigo do Exército, com quem tive um episódio em Cabinda nas margens da lagoa do Massabi, a quem fui, e aos seus dois companheiros, muito útil naquelas circunstâncias de algum dramatismo. Hoje continuamos como irmãos amigos.
Depois, ver partir camaradas de quem já éramos amigos, ou quando no rio Zaire essencialmente, se encontravam cadáveres deslizando na corrente ou presos na margem. São várias as imagens retidas no nosso disco rígido, que mesmo com algum desgaste, jamais dele se apagará, o quanto nos marcou profundamente.
O QUE LHE LEMBRA A GUERRA?
A guerra, para quem nela tenha participado, é lembrada sempre de forma a contemplar o que cada um sofreu ou viveu. As emoções, que provocam a lembrança da guerra, é, em cada momento o reflexo do estado anímico e emocional, que cada estado de alma alimenta. Mas em termos gerais a lembrança reparte-se por duas situações, as más, e as boas recordações, no entanto, a experiencia vivida diz-me, que a guerra não foi, não é, e nunca será uma solução definitiva para resolver as razões, de algumas das partes envolvidas. Portanto: guerra! Não. Porque nunca será solução.
FAZEM-SE IRMÃOS?
É evidente que se estruturam amizades de tal forma puras que nem sempre existem entre irmãos. Quantos não deram a vida tentando salvar a vida do camarada! O meu exemplo é paradigmático do que acontece certamente com muitos outros. Somos quatro irmãos, só um não foi ao ultramar. Tenho convivido muito mais com camaradas da minha guerra, do que com os meus irmãos, e muito especialmente depois da existência da Associação, participo em aniversários, sou convidado para casamentos, para passar férias em suas casas e isto, acontece-me do Minho ao Algarve. Dado o ênfase com que oferecem, até me custa não poder ser-lhes agradável. Dará para fazer uma ideia aproximada, destas realidades, ao dizer-vos sem exagero, que durante o tempo em que um camarada esteve muito debilitado de saúde, mesmo não sendo da sua família de sangue, recebia diariamente dezenas de chamadas para informar do seu estado, mesmo depois de ter passado a crise, não deixo de ainda receber o pedido de informação quanto ao estado do camarada em causa. Portanto, nós, e falo dos Fuzileiros por ser o que melhor conheço, somos uma família com muita afectividade, e isto acontece mesmo em relação aos que não participaram na guerra, ou que ainda no activo continuam a honrar e dignificar o bom nome dos Fuzileiros e de Portugal nas agora missões, chamadas de paz. E como não podia deixar de ser, em todas elas há quem, no seu percurso se desequilibre, e saia do caminho que é percorrido pela maioria.
ESTEVE DEBAIXO DE FOGO?
Tendo pertencido a uma força de elite, foram muitas as vezes que estive sobre o silvar das balas e de outro fogo do inimigo, e mesmo antes, no exercícios houve logo ai uma familiarização, que nos deu depois alguma capacidade de controlo para os confrontos que a guerra a sério, nos reservava. Mas, por ironia do destino, quando cai na primeira emboscada, na região dos Dembos mata 28 de Maio, decorria o ano de 1964, acabado de fazer os meus dezanove anos, fui atingido com um tiro sem o ter ouvido, era o primeiro homem da coluna que seguia cuidadosamente o trilho emparedado por uma guarda de honra muito alta de capim. Calcorreava com passos lentos e cuidadosos a picada, quando sinto na coxa esquerda, um tremendo choque, ouvindo de imediato, o som do tiro seguido de algumas rajadas. Estava ditado o primeiro Fuzileiro ferido em combate na província de Angola. Consigo mesmo ferido, desviar-me da zona fustigada, dado que fogo se concentrava na cabeça da coluna, nem mesmo assim, me consegui furtar ao choque das pedras levantadas pela acção dos tiros concentrados no local onde me encontrava. Foi um dia de sorte, porque para além de o tiro me ter varado a perna, não me atingiu, por pouco, uma zona que me deixaria deficiente motor, isto foi-me dito pelo médico no hospital de Luanda para onde fui em pouco tempo, transportado, tendo passado primeiro por Santa Eulália, onde estava um hospital de campanha e depois de DO para Luanda.
A operação estava no primeiro dia. E esta primeira recepção aconteceu, pelas 3 horas da tarde, tendo a operação continuado por mais nove dias, onde ainda morreu um camarada, e um oficial foi também ferido ficando deficientado da perna direita. Soubemos pelos soldados que guarneciam o quartel de Nambuangongo, onde pernoitamos a noite anterior do inicio da operação chamada terceiro ano, de que a zona que nos destinaram, era a mais complicada. Esta acção envolveu muitas centenas de militares, mas a batata que mais esquentava calhou ao Destacamento nº6 de Fuzileiros, que por estar desfalcado de alguns de seu efectivo, foi connosco algum pessoal do exército, alguns deles tinham já participado em algumas tentativas para entrar naquele fortim da guerrilha mas sempre sem êxito. Mas como não há duas sem três, desta foi de vez. E vou aqui lembrar um episódio muito marcante passado, no já falado posto de Massabi em Cabinda, quando decorria o segundo ano da minha segunda comissão. Tinha na altura vinte e dois anos e era o Cabo de Rancho, o que me obrigava às vezes, a ser um relações públicas quando éramos visitados pelos camaradas do Exército que de quando em vez vinham jogar futebol connosco. Naquele dia, o jogo era maioritariamente com um grupo de homens que tinham pertencido à guerrilha, e que tendo-se entregado com armas e bagagens, constituíam os chamados T`ÉS. O pessoal menor até ao nível de sargento comiam no refeitório, assim sendo, coloco à minha frente o ex. guerrilheiro agora graduado em Sargento. Está bom de ver, que logo puxei a conversa para a guerra em que estávamos envolvidos, e a minha primeira surpresa foi, quando a certa altura da conversa, me dizia que não atravessavam o rio Zaire porque havia muito receio daqueles homens diabólicos que do outro lado impunham muito respeito, sem se aperceber, que estava a falar com alguém que muitas vezes tinha patrulhado aquela fronteira, por isso subiam o rio em barcos, navegando sempre muito encostados ao Congo e passavam por terra a seguir a Noqui. Havia uma regra que tendo alguma lógica, não era por nós cumprida, que era estabelecida pelo meio do rio, como limite para ambos os lados, mas prevaricar dava-nos algum gozo, e algumas vezes os fomos perturbar à outra margem, o que felizmente nunca passou do chinfrim, da sua indignação.
Então o camarada Sargento ex. guerrilheiro da FNLA, para além do desabafo, contínua respondendo às questões que lhe ia colocando, a certa altura da minha intrusão nas suas memórias, diz-me que actuou na zona dos Dembos mata vinte e oito de Maio. Naquele momento fiquei totalmente suspenso da interessante debitação que tranquilamente me fazia. Não me contive e, pus-lhe a seguinte questão! Conhecias a casa de zinco? Conheço muito bem, uma vez foi lá um pessoal e durante uma semana deram cabo de tudo, queimaram os haveres que tínhamos guardado, queimaram as casas e tudo. Então perguntei e não deram fogo nessa gente? E aqui, eu fiquei arrepiado, tal como me está a acontecer neste momento. Sim! Mesmo antes de entrarem na mata, nós matámos. Descurpa: mas tu perguntaste! Ok! Não tenhas medo porque ninguém te faz mal, a guerra é assim mesmo infelizmente. Então diz lá! O pessoal já estava perto da mata e nós fizemos emboscada, e logo a seguir o avião veio buscar morto. Como estava de calções, imediatamente me levantei e mostrei-lhe a cicatriz da entrada e saída da bala com que me tinham acertado. Custou a acreditar, que não tenha naquela emboscada morrido alguém, porque estavam a ver-nos progredindo dentro do capim, e o primeiro tiro, tinha sido apontado pelo célebre mata alferes, guerrilheiro que também terá morto o Libânio Amorim, e ferido o Correia de Barros, no seguimento da operação.
São pois, momento que jamais se esquecerão enquanto a nossa memória funcionar com razoabilidade.
A GUERRA MARCA PARA SEMPRE?
Quem disser que a guerra não lhe deixou marcas, estará a meu ver, a fugir à verdade do que lhe dita, a sua consciência. Mesmo aqueles, para quem a guerra foi um passa tempo, umas férias, ou mesmo um bom investimento, e esses também os houve, e muitos, são também necessários. Uma boa retaguarda é muito importante, e, nem sempre esteve altura dos que, do seu bom desempenho necessitavam. Portanto, ficam sempre, quanto mais não seja, as marcas que vemos nos outros, ou as do bem bom, porque se tenha passado. Mesmo os que mais deram o corpo ao manifesto, no confronto directo da guerra têm certamente algumas marcas positivas.
Não quero desperdiçar esta oportunidade para dar o meu recado a quem exijo, que se retrate com verdade, e peça desculpa a tantos milhares de homens que estiveram em Angola, e que repudiam as mentiras, de quem por obrigação do seu estatuto, se esperava que não fosse tão bruto, inconveniente e falso, sinto-me reconfortado, pela minha deontologia, (mesmo não sendo médico) e não ter, tal cultura académica.
Sou o Mário Henriques Manso, nascido a 23 e Janeiro de 1945. Casado, e com uma descendente. Assentei praça em 1962 com dezassete anos, como Voluntário. Aos vinte e três, com o posto de Cabo tinha já afeito duas comissões em Angola, estando no tempo, ao abrigo do curso de Sargentos, não o frequentei, por ter tido um conflito, que quase passava do verbal, com o imediato da minha segunda unidade, já na Escola de Fuzileiros. Tudo por não ter aceitado a forma decomposta, como utilizou os seus poderes, para acerto de contas mal geridas que remontavam a África, episódio passado em Belas no fim da comissão quando na qualidade cabo de rancho não abdiquei de uma faculdade que tinha direito. Por consequências desse facto pedi a minha passagem à disponibilidade, tendo saído da Marinha a 14 de Agosto de 1969 (sem no entanto, nunca ter saído dos Fuzileiros) Seguidamente, ingressei em 02 de Outubro na TAP, onde na Direcção Geral de Manutenção e Engenharia, terminei ao fim de 36 anos, a minha carreira contributiva, com 42 anos de efectividade de descontos. Pertenço aos Corpos Sociais da Associação de Fuzileiros desde as suas primeiras eleições em 2000, tendo humildemente contribuído, para esbater as opiniões dos que tudo fizeram para que os Fuzileiros nunca se organizassem civilmente, porque, segundo é dito, o poder Militar e Politico, diziam em tempos idos, de que: OS FUZILEIROS DESORGANIZADOS SÂO PERIGOSOS, ORGANIZADOS, SÂO MUITO MAIS. O que nunca foi verdade, porque são, e sempre foram homens de bem, sempre gostaram foi, de acertar contas, por isso, não têm dividas.
Mário Henriques Manso
Não fiz parte de batalhões porque a Marinha no Ultramar não funcionava com esse tipo de unidades. Nos fuzileiros funcionava-se com unidades autónomas que eram os Destacamentos de Fuzileiros Especiais, e as Companhias de Fuzileiros Navais ou mesmo, pelotões de reforço.
Fiz parte do Destacamento de FZE nº 6 em Angola entre 1963e 1965, e de 1966/1968 na Companhia nº 10 de FZ. Estas duas unidades foram comandadas pelo mesmo Comte. e de ambas fizeram parte alguns Marinheiros Cabos e Sargentos.
QUANDO É QUE CHEGARAM?
A chegada a Luanda acontece no dia 30 de Setembro depois de longos 9 dias. Esta minha primeira viagem, ficou marcada por um episódio que retrata, de alguma forma, a força, que os homens têm, quando há união de esforços, e se o espírito de camaradagem é forte, a capacidade é enorme. É assim que ao segundo terceiro dia de viagem os homens de Marinha embarcados, resolvem unir-se para levar a efeito um levantamento de rancho. Tendo germinado a ideia, tentei e consegui com alguma dificuldade, aliciar um camarada já com vários anos de vida Militar, tendo recaído sobre o saudoso Vinhais, que tinha já dado luta à União Indiana, quando nos resolveu atacar. Tendo feito com ele o curso de Fuzileiro Especial, era notório o respeito que por ele se tinha, porque para além do seu porte físico e da idade, era daqueles difícil de torcer. A estratégia traçada é colocada em marcha mesmo tendo em conta, que éramos quanto muito, 4% do total dos militares embarcados. É fácil concluir que era um objectivo bem difícil de concretizar. Mas a decisão foi tomada, e colocada em prática no terceiro almoço da viagem. Ninguém da marujada comeu. Todo o outro pessoal, que daquele primeiro grupo fazia parte, não percebendo o que se estava a passar, tentaram alguns, reforçar a sua refeição, o que não foi por nós permitido. Depois, outros acontecimentos subjacentes aconteceram, mas que soubemos sempre ultrapassar, com a força que nos dava o nosso espírito de corpo.
SOUBE LOGO PARA ONDE IA?
Nos Fuzileiros não havia pessoal obrigado, logo, eu e muitas outras centenas de camaradas, foram voluntários várias vezes: para a Marinha, para Fuzileiro, para tirar o curso de FZE, e para fazer parte da unidade a que também aderiram para o ultramar, assim aconteceu comigo as duas vezes. Portanto sabíamos para onde íamos e tínhamos uma noção muito aproximada da realidade que íamos enfrentar, em cada um das províncias, se assim não foi no inicio da guerra, logo a seguir, todos iam com a consciência do que se iria ter pela frente, para tanto, a partir dos fins de 63 todas as unidades de Fuzileiros que foram para o ultramar, levava pessoal já com experiência de guerra. Logo que se chegava, imediatamente se era aliciado para fazer parte de uma nova unidade em formação. Assim aconteceu durante os treze anos do conflito. Muitos dos voluntários que se alistaram na Marinha e que foram para a especialidade de Fuzileiro, aos vinte e dois anos muitos deles, tinham já no seu curriculum duas comissões, tenho muitos filhos da Escola, com quatro permanências, algumas divididas pelas três províncias. Esta é uma característica, muito específica, que traziam ao grupo, um valor acrescentado de grande valia. Porque uma unidade que disponha de vários homens com tanta experiencia, solidificava o grupo pela confiança que davam à vertente humana, que depois se projectava na sua acção em combate. A Marinha terá sido a arma que mais beneficiou de pessoal voluntário, na casa dos 17 anos e menos até, uma voluntariedade que foi estrategicamente aproveitada, para o preenchimento dos quadros, jovens que cedo se emanciparam da sua juventude, pelas responsabilidades que antes de tempo, tiveram de assumir.
O QUE SENTIU QUANDO CHEGOU?
Da primeira vez, chegados a Luanda as expectativas eram algumas, será fácil concluir quais, algumas delas. A aproximação que se fazia lentamente, ao porto de Luanda dava uma sensação de bem estar, fazendo esquecer as diabruras, a que uma guerra pode conduzir os homens, e do alivio das dificuldades sentidas naquela viagem que estava prestes a terminar. Havia um desejo enorme de convivência com aquela nova realidade, que nos era oferecida pela existência de um conflito, que ainda nos era marginal mas que, já flutuava na nossa imaginação. Entrar em contacto com aquela nova realidade em que íamos estar inseridos, enriquecia -nos a imaginação em todas as suas vertentes. Estava ali à mão uma nova cultura para desfrutar, e isso só por si já era aliciante para um jovem com dezoito anos, a questão do confronto mais belicista, teria em cada momento, a réplica mais adequada em função da instrução adquirida, que nos dava alguma capacidade e conforto.
COMO FORAM OS PRMEIROS TEMPOS?
Terminada a viagem onde por alguns momentos até nos fez sentir uns ilusórios privilegiados, estava agora para começar a interiorização da peça de teatro ensaiada pelos mentores daquela guerra de cujas razões, não entendíamos muito bem. Não faltava muito, para que passássemos de meros espectadores a actores, sem direito a palmas, mas a tiros a sério, e não de cerimónia.
Nos primeiros dois meses foi uma adaptação ao clima, com treinos intensivos das práticas adquiridas no curso. Seguidamente o Zaire foi o nosso primeiro salto da Cidade. Depois regressamos a Luanda substituindo outro Destacamento que esteve em intervenção. Ao tomarmos a sua missão, somos incumbidos de fazer uma operação, numa zona pouco infestada de guerrilheiros, mas onde o grau de dificuldade, pela falta de água sentida, foi muito e dolorosamente sentida. Só não houve a lamentar, os efeitos de algum descontrolo, porque a nossa capacidade de resistir às adversidades, ajudou a dar volta por cima. Dois dias e duas noites só com um cantil de água, é obra tal, que um ser humano se obriga a beber, o que é impensável. Lembro todo aquele grupo, vencido fisicamente num charco onde havia esqueletos de animais que ali morreram, onde se procurava algumas gotas que ajudassem as gargantas sequiosas. O Camarada Russo e o Esquelas assim éramos tratados não se resignaram e acabaram por descobrir a alguma distancia um nascente, sim! Porque ali se iniciava o que mais adiante se transformava numa ribeira. Passados mais de quarenta anos, não consigo conter uma forte admiração e respeito, por todos quantos, de todos os quadrantes, passaram por situações semelhantes.
QUANDO VOLTOU?
O regresso desta primeira estada na guerra tem início, em Luanda a 23 de Outubro com chegada a Lisboa a 02 de Novembro de 1965 vinte e cinco meses depois de ter partido. A segunda etapa da minha guerra, medeia o dia 08/06 /66 e 05/08/68 o que perfaz 47 meses em África, para onde fui sem carta de chamada, e sem pagar viagens. E que hoje, apenas nos dá direito, a não ser respeitado por alguns aprendizes de feiticeiros que não tiveram, não têm, e julgo que jamais terão respeito pelos Ex COMBATENTES, que tudo deram e nada pediram. Resta-nos apenas, o direito à indignação. Foi grande o contributo que demos ao País, e lhes proporcionamos até, acharem-se com o direito, a não terem apreço por quem deu o melhor da sua juventude, e muitos a vida. Quando a ingratidão, não tem justiça nem razão, nunca será boa solução, dos timoneiros da nação! Mas muitos deles, assim são! Por isso a minha indignação.
Não fora os grandes amigos e camaradas, que resultaram dos meus quase oito anos de vida militar e tinha sido um tempo para não lembrar. Para além disso, como Fuzileiro uma vez fuzileiro para sempre, faz jus ao nosso lema, e de que muito me orgulho, bem como todos que por aquela casa passaram, cá me vou amparando psicologicamente, encontrando alguma realização, no contribuindo possível que vou dando na Associação de Fuzileiros, que se propõe unir esta nossa família, que dispersa pelo mundo encontra nesta identidade a forma de dar vida ao património de valores que são os Fuzileiros.
QUAL FOI O DIA MAIS MARCANTE? E PORQUÊ?
É mais que um, os dias que me marcaram. Um deles foi aquele em que, na saída para a segunda comissão em que o Niassa se deslocava paulatinamente em direcção à barra, e por estibordo aparece no bairro de São Mateus, com um grande pano branco que desfraldado nos acenava. Aquele sinal tinha-me especialmente, como destinatário. Era a minha Madrinha de Guerra da primeira comissão, agora já Namorada e hoje, minha Companheira, que fazia de sinaleiro, como se chama na Marinha, que me enviava uma mensagem bem descodificada aos olhos de todos quantos se aperceberam daqueles sentidos sinais de adeus.
Antes, em Março de 1964, quando debaixo de fogo depois de ter levado um tiro, algumas pedras espantadas pelos tiros que não me acertando me causavam uma sensação estranha demais para poder ser compreendida por muitas das pessoas que nunca estiveram sequer debaixo de fogo.
Mais tarde, já na vida civil, foi quando encontrei um amigo do Exército, com quem tive um episódio em Cabinda nas margens da lagoa do Massabi, a quem fui, e aos seus dois companheiros, muito útil naquelas circunstâncias de algum dramatismo. Hoje continuamos como irmãos amigos.
Depois, ver partir camaradas de quem já éramos amigos, ou quando no rio Zaire essencialmente, se encontravam cadáveres deslizando na corrente ou presos na margem. São várias as imagens retidas no nosso disco rígido, que mesmo com algum desgaste, jamais dele se apagará, o quanto nos marcou profundamente.
O QUE LHE LEMBRA A GUERRA?
A guerra, para quem nela tenha participado, é lembrada sempre de forma a contemplar o que cada um sofreu ou viveu. As emoções, que provocam a lembrança da guerra, é, em cada momento o reflexo do estado anímico e emocional, que cada estado de alma alimenta. Mas em termos gerais a lembrança reparte-se por duas situações, as más, e as boas recordações, no entanto, a experiencia vivida diz-me, que a guerra não foi, não é, e nunca será uma solução definitiva para resolver as razões, de algumas das partes envolvidas. Portanto: guerra! Não. Porque nunca será solução.
FAZEM-SE IRMÃOS?
É evidente que se estruturam amizades de tal forma puras que nem sempre existem entre irmãos. Quantos não deram a vida tentando salvar a vida do camarada! O meu exemplo é paradigmático do que acontece certamente com muitos outros. Somos quatro irmãos, só um não foi ao ultramar. Tenho convivido muito mais com camaradas da minha guerra, do que com os meus irmãos, e muito especialmente depois da existência da Associação, participo em aniversários, sou convidado para casamentos, para passar férias em suas casas e isto, acontece-me do Minho ao Algarve. Dado o ênfase com que oferecem, até me custa não poder ser-lhes agradável. Dará para fazer uma ideia aproximada, destas realidades, ao dizer-vos sem exagero, que durante o tempo em que um camarada esteve muito debilitado de saúde, mesmo não sendo da sua família de sangue, recebia diariamente dezenas de chamadas para informar do seu estado, mesmo depois de ter passado a crise, não deixo de ainda receber o pedido de informação quanto ao estado do camarada em causa. Portanto, nós, e falo dos Fuzileiros por ser o que melhor conheço, somos uma família com muita afectividade, e isto acontece mesmo em relação aos que não participaram na guerra, ou que ainda no activo continuam a honrar e dignificar o bom nome dos Fuzileiros e de Portugal nas agora missões, chamadas de paz. E como não podia deixar de ser, em todas elas há quem, no seu percurso se desequilibre, e saia do caminho que é percorrido pela maioria.
ESTEVE DEBAIXO DE FOGO?
Tendo pertencido a uma força de elite, foram muitas as vezes que estive sobre o silvar das balas e de outro fogo do inimigo, e mesmo antes, no exercícios houve logo ai uma familiarização, que nos deu depois alguma capacidade de controlo para os confrontos que a guerra a sério, nos reservava. Mas, por ironia do destino, quando cai na primeira emboscada, na região dos Dembos mata 28 de Maio, decorria o ano de 1964, acabado de fazer os meus dezanove anos, fui atingido com um tiro sem o ter ouvido, era o primeiro homem da coluna que seguia cuidadosamente o trilho emparedado por uma guarda de honra muito alta de capim. Calcorreava com passos lentos e cuidadosos a picada, quando sinto na coxa esquerda, um tremendo choque, ouvindo de imediato, o som do tiro seguido de algumas rajadas. Estava ditado o primeiro Fuzileiro ferido em combate na província de Angola. Consigo mesmo ferido, desviar-me da zona fustigada, dado que fogo se concentrava na cabeça da coluna, nem mesmo assim, me consegui furtar ao choque das pedras levantadas pela acção dos tiros concentrados no local onde me encontrava. Foi um dia de sorte, porque para além de o tiro me ter varado a perna, não me atingiu, por pouco, uma zona que me deixaria deficiente motor, isto foi-me dito pelo médico no hospital de Luanda para onde fui em pouco tempo, transportado, tendo passado primeiro por Santa Eulália, onde estava um hospital de campanha e depois de DO para Luanda.
A operação estava no primeiro dia. E esta primeira recepção aconteceu, pelas 3 horas da tarde, tendo a operação continuado por mais nove dias, onde ainda morreu um camarada, e um oficial foi também ferido ficando deficientado da perna direita. Soubemos pelos soldados que guarneciam o quartel de Nambuangongo, onde pernoitamos a noite anterior do inicio da operação chamada terceiro ano, de que a zona que nos destinaram, era a mais complicada. Esta acção envolveu muitas centenas de militares, mas a batata que mais esquentava calhou ao Destacamento nº6 de Fuzileiros, que por estar desfalcado de alguns de seu efectivo, foi connosco algum pessoal do exército, alguns deles tinham já participado em algumas tentativas para entrar naquele fortim da guerrilha mas sempre sem êxito. Mas como não há duas sem três, desta foi de vez. E vou aqui lembrar um episódio muito marcante passado, no já falado posto de Massabi em Cabinda, quando decorria o segundo ano da minha segunda comissão. Tinha na altura vinte e dois anos e era o Cabo de Rancho, o que me obrigava às vezes, a ser um relações públicas quando éramos visitados pelos camaradas do Exército que de quando em vez vinham jogar futebol connosco. Naquele dia, o jogo era maioritariamente com um grupo de homens que tinham pertencido à guerrilha, e que tendo-se entregado com armas e bagagens, constituíam os chamados T`ÉS. O pessoal menor até ao nível de sargento comiam no refeitório, assim sendo, coloco à minha frente o ex. guerrilheiro agora graduado em Sargento. Está bom de ver, que logo puxei a conversa para a guerra em que estávamos envolvidos, e a minha primeira surpresa foi, quando a certa altura da conversa, me dizia que não atravessavam o rio Zaire porque havia muito receio daqueles homens diabólicos que do outro lado impunham muito respeito, sem se aperceber, que estava a falar com alguém que muitas vezes tinha patrulhado aquela fronteira, por isso subiam o rio em barcos, navegando sempre muito encostados ao Congo e passavam por terra a seguir a Noqui. Havia uma regra que tendo alguma lógica, não era por nós cumprida, que era estabelecida pelo meio do rio, como limite para ambos os lados, mas prevaricar dava-nos algum gozo, e algumas vezes os fomos perturbar à outra margem, o que felizmente nunca passou do chinfrim, da sua indignação.
Então o camarada Sargento ex. guerrilheiro da FNLA, para além do desabafo, contínua respondendo às questões que lhe ia colocando, a certa altura da minha intrusão nas suas memórias, diz-me que actuou na zona dos Dembos mata vinte e oito de Maio. Naquele momento fiquei totalmente suspenso da interessante debitação que tranquilamente me fazia. Não me contive e, pus-lhe a seguinte questão! Conhecias a casa de zinco? Conheço muito bem, uma vez foi lá um pessoal e durante uma semana deram cabo de tudo, queimaram os haveres que tínhamos guardado, queimaram as casas e tudo. Então perguntei e não deram fogo nessa gente? E aqui, eu fiquei arrepiado, tal como me está a acontecer neste momento. Sim! Mesmo antes de entrarem na mata, nós matámos. Descurpa: mas tu perguntaste! Ok! Não tenhas medo porque ninguém te faz mal, a guerra é assim mesmo infelizmente. Então diz lá! O pessoal já estava perto da mata e nós fizemos emboscada, e logo a seguir o avião veio buscar morto. Como estava de calções, imediatamente me levantei e mostrei-lhe a cicatriz da entrada e saída da bala com que me tinham acertado. Custou a acreditar, que não tenha naquela emboscada morrido alguém, porque estavam a ver-nos progredindo dentro do capim, e o primeiro tiro, tinha sido apontado pelo célebre mata alferes, guerrilheiro que também terá morto o Libânio Amorim, e ferido o Correia de Barros, no seguimento da operação.
São pois, momento que jamais se esquecerão enquanto a nossa memória funcionar com razoabilidade.
A GUERRA MARCA PARA SEMPRE?
Quem disser que a guerra não lhe deixou marcas, estará a meu ver, a fugir à verdade do que lhe dita, a sua consciência. Mesmo aqueles, para quem a guerra foi um passa tempo, umas férias, ou mesmo um bom investimento, e esses também os houve, e muitos, são também necessários. Uma boa retaguarda é muito importante, e, nem sempre esteve altura dos que, do seu bom desempenho necessitavam. Portanto, ficam sempre, quanto mais não seja, as marcas que vemos nos outros, ou as do bem bom, porque se tenha passado. Mesmo os que mais deram o corpo ao manifesto, no confronto directo da guerra têm certamente algumas marcas positivas.
Não quero desperdiçar esta oportunidade para dar o meu recado a quem exijo, que se retrate com verdade, e peça desculpa a tantos milhares de homens que estiveram em Angola, e que repudiam as mentiras, de quem por obrigação do seu estatuto, se esperava que não fosse tão bruto, inconveniente e falso, sinto-me reconfortado, pela minha deontologia, (mesmo não sendo médico) e não ter, tal cultura académica.
Sou o Mário Henriques Manso, nascido a 23 e Janeiro de 1945. Casado, e com uma descendente. Assentei praça em 1962 com dezassete anos, como Voluntário. Aos vinte e três, com o posto de Cabo tinha já afeito duas comissões em Angola, estando no tempo, ao abrigo do curso de Sargentos, não o frequentei, por ter tido um conflito, que quase passava do verbal, com o imediato da minha segunda unidade, já na Escola de Fuzileiros. Tudo por não ter aceitado a forma decomposta, como utilizou os seus poderes, para acerto de contas mal geridas que remontavam a África, episódio passado em Belas no fim da comissão quando na qualidade cabo de rancho não abdiquei de uma faculdade que tinha direito. Por consequências desse facto pedi a minha passagem à disponibilidade, tendo saído da Marinha a 14 de Agosto de 1969 (sem no entanto, nunca ter saído dos Fuzileiros) Seguidamente, ingressei em 02 de Outubro na TAP, onde na Direcção Geral de Manutenção e Engenharia, terminei ao fim de 36 anos, a minha carreira contributiva, com 42 anos de efectividade de descontos. Pertenço aos Corpos Sociais da Associação de Fuzileiros desde as suas primeiras eleições em 2000, tendo humildemente contribuído, para esbater as opiniões dos que tudo fizeram para que os Fuzileiros nunca se organizassem civilmente, porque, segundo é dito, o poder Militar e Politico, diziam em tempos idos, de que: OS FUZILEIROS DESORGANIZADOS SÂO PERIGOSOS, ORGANIZADOS, SÂO MUITO MAIS. O que nunca foi verdade, porque são, e sempre foram homens de bem, sempre gostaram foi, de acertar contas, por isso, não têm dividas.
Mário Henriques Manso
terça-feira, 24 de agosto de 2010
AQUELA NOITE:
Tenho necessidade de vez em quando, escrever qualquer coisa sobre peripécias vividas, nestas férias que a morte vai proporcionando a cada um de nós.
Porque ao lembrar-me dos amigos que por aqui vão passando, acho que devem poder desfrutar de uma historieta nova.
Quando um destes dias numa conversa entre camaradas Fuzileiros, tomava corpo a ideia, de que, quando se contam as histórias vividas há tantas dezenas de anos, que a sua veracidade, é envolvida por muita ficção.
Ora bem: não tem forçosamente que assim ser, porque todos, vivemos episódios, que temos bem marcados na nossa memória, que não precisam de retoques para lhes dar mais ou menos credibilidade.
Quando se é jovem, pode ao mesmo tempo ser-se imaturo e ingénuo, porque estas duas realidades são fruto da mesma árvore, apenas com sabores diferenciados.
Proponho-me, e é uma tentativa apenas, dar aos meus amigos a hipótese de viverem uma situação, em que vos gostaria de envolver, de tal forma, que vos leve a sentirem-se parte do meu grupo de combate.
Certo dia, foi o meu Destacamento incumbido, desenvolver uma operação numa região, onde havia um aquartelamento IN.
As densas matas da região dos Dembos era o cenário, e o tema era provocar-lhe as devidas inconveniências: destruir-lhes a logística, persegui-los, e anular tudo quanto nos fosse possível.
O meu grupo, (cinco homens) o primeiro a chegar à zona, é feita de Aloete III. Foi sempre para mim, um transporte muito simpático, e dele tenho boas recordações porque foi através da sua disponibilidade, que no inicio da comissão, na segunda operação, fui recuperado, depois de ter sido atingido no membro esquerdo da minha locomoção. Também agora, não era muito longe do local, aquele em que se desenvolvia mais esta tentativa de os desmotivar dos seus objectivos.
Depois de todo o dia em progressão cautelosa, porque a qualquer momento se espera a chegada das inconvenientes boas vindas, o que não deixou mais uma vez de acontecer, é feito o alto definitivo para pernoitar.
Desenvolviam-se as tarefas que se impunham para que aquele merecido descanso não fosse perturbado, por falta de se tomarem as respectivas cautelas envolventes, quando se ouve como primeiro alerta uns galináceos, seguido de vozes, que por serem pronunciadas em dialecto indigna, nos deixou na mesma, apenas a curiosidade aumentou e a adrenalina subiu ligeiramente. Que estávamos perto do acampamento, era a uma certeza trazida pelos bicos que não era fácil disfarçar. Quase existia um convívio pacífico, entre grupos de pessoas que se digladiavam, não fora a guerra assumida pelas partes, e até era possível, se naquele momento houvesse a hipótese de um compromisso entre beligerantes, do fim das hostilidades.
A juventude era no tempo, um potencial enorme de disponibilidade, de entrega e de disciplina, e foi esta última que fez a diferença na atitude, com que o meu grupo se propunha levar por diante. Foi proposto encetar uma aproximação à zona de onde se tinham ouvido as vozes daqueles inquilinos. O Cte. quase foi convencido, quando já sem as botas para uma deslocação mais silenciosa, lhe sugeria a ideia: avançar com a minha equipa até aos limites que se me afigurassem convenientes, para que de manhã pudéssemos utilizar o factor surpresa com vantagens acrescidas.
Algumas vezes na vida militar me apeteceu contrariar a disciplina, e esta foi uma delas.
Iniciada a progressão do dia seguinte, já com a detonação pelas duas da manhã, da armadilha, que estava colocada no sentido da picada que nos levava ao acampamento, e que a curiosidade de um gato enorme a fez rebentar, serviu milagrosamente os guerrilheiros, denunciando-nos, o que não tinha acontecido como provara os sons emitidos pelas vozes denunciadoras do dia anterior das "diferentes" aves.
No calcorrear da picada, as flagelações foram acontecendo, sem alternativas, que nos proporcionassem, um braço de ferro, e que nos levassem a colocar em prática o que treinámos, mas a que guerrilha se não predispunha, connosco, sim! Porque algumas vezes assim se comportou com os camaradas do exército, dando luta.
Passados mais de quarenta anos, desse episódio, tenho pena que não tivesse havido consentimento, para o colocar em prática, porque os resultados seriam certamente diferentes. Ao mesmo tempo, hoje, mais consciente, ao visualizar mentalmente toda a situação, os cabelos se me coloquem em pé “de guerra” e não por mais virilidade!...
UMA HISTÓRIA SEM FICÇÃO
QUE HOJE ME TRANSPORTOU
PARA ÉPOCA DE MUITA ACÇÃO
ONDE SE MORREU E MATOU
LEMBRAR COM ESTA NARRAÇÃO
EPISÓDIO POR MIM VIVIDO
SEM MÁGOA NO CORAÇÃO
MESMO NÃO TENDO CONSEGUIDO
A GUERRA NEM TODOS POUPOU
MAS O VIVO AINDA É PERSEGUIDO
SEM SABER PORQUE MATOU
SENTE-SE COMO TENHA MORRIDO
UM ABRAÇO PARA QUEM ME LEU
DESTE AMIGO QUE NÃO MORREU
Mário Manso
Porque ao lembrar-me dos amigos que por aqui vão passando, acho que devem poder desfrutar de uma historieta nova.
Quando um destes dias numa conversa entre camaradas Fuzileiros, tomava corpo a ideia, de que, quando se contam as histórias vividas há tantas dezenas de anos, que a sua veracidade, é envolvida por muita ficção.
Ora bem: não tem forçosamente que assim ser, porque todos, vivemos episódios, que temos bem marcados na nossa memória, que não precisam de retoques para lhes dar mais ou menos credibilidade.
Quando se é jovem, pode ao mesmo tempo ser-se imaturo e ingénuo, porque estas duas realidades são fruto da mesma árvore, apenas com sabores diferenciados.
Proponho-me, e é uma tentativa apenas, dar aos meus amigos a hipótese de viverem uma situação, em que vos gostaria de envolver, de tal forma, que vos leve a sentirem-se parte do meu grupo de combate.
Certo dia, foi o meu Destacamento incumbido, desenvolver uma operação numa região, onde havia um aquartelamento IN.
As densas matas da região dos Dembos era o cenário, e o tema era provocar-lhe as devidas inconveniências: destruir-lhes a logística, persegui-los, e anular tudo quanto nos fosse possível.
O meu grupo, (cinco homens) o primeiro a chegar à zona, é feita de Aloete III. Foi sempre para mim, um transporte muito simpático, e dele tenho boas recordações porque foi através da sua disponibilidade, que no inicio da comissão, na segunda operação, fui recuperado, depois de ter sido atingido no membro esquerdo da minha locomoção. Também agora, não era muito longe do local, aquele em que se desenvolvia mais esta tentativa de os desmotivar dos seus objectivos.
Depois de todo o dia em progressão cautelosa, porque a qualquer momento se espera a chegada das inconvenientes boas vindas, o que não deixou mais uma vez de acontecer, é feito o alto definitivo para pernoitar.
Desenvolviam-se as tarefas que se impunham para que aquele merecido descanso não fosse perturbado, por falta de se tomarem as respectivas cautelas envolventes, quando se ouve como primeiro alerta uns galináceos, seguido de vozes, que por serem pronunciadas em dialecto indigna, nos deixou na mesma, apenas a curiosidade aumentou e a adrenalina subiu ligeiramente. Que estávamos perto do acampamento, era a uma certeza trazida pelos bicos que não era fácil disfarçar. Quase existia um convívio pacífico, entre grupos de pessoas que se digladiavam, não fora a guerra assumida pelas partes, e até era possível, se naquele momento houvesse a hipótese de um compromisso entre beligerantes, do fim das hostilidades.
A juventude era no tempo, um potencial enorme de disponibilidade, de entrega e de disciplina, e foi esta última que fez a diferença na atitude, com que o meu grupo se propunha levar por diante. Foi proposto encetar uma aproximação à zona de onde se tinham ouvido as vozes daqueles inquilinos. O Cte. quase foi convencido, quando já sem as botas para uma deslocação mais silenciosa, lhe sugeria a ideia: avançar com a minha equipa até aos limites que se me afigurassem convenientes, para que de manhã pudéssemos utilizar o factor surpresa com vantagens acrescidas.
Algumas vezes na vida militar me apeteceu contrariar a disciplina, e esta foi uma delas.
Iniciada a progressão do dia seguinte, já com a detonação pelas duas da manhã, da armadilha, que estava colocada no sentido da picada que nos levava ao acampamento, e que a curiosidade de um gato enorme a fez rebentar, serviu milagrosamente os guerrilheiros, denunciando-nos, o que não tinha acontecido como provara os sons emitidos pelas vozes denunciadoras do dia anterior das "diferentes" aves.
No calcorrear da picada, as flagelações foram acontecendo, sem alternativas, que nos proporcionassem, um braço de ferro, e que nos levassem a colocar em prática o que treinámos, mas a que guerrilha se não predispunha, connosco, sim! Porque algumas vezes assim se comportou com os camaradas do exército, dando luta.
Passados mais de quarenta anos, desse episódio, tenho pena que não tivesse havido consentimento, para o colocar em prática, porque os resultados seriam certamente diferentes. Ao mesmo tempo, hoje, mais consciente, ao visualizar mentalmente toda a situação, os cabelos se me coloquem em pé “de guerra” e não por mais virilidade!...
UMA HISTÓRIA SEM FICÇÃO
QUE HOJE ME TRANSPORTOU
PARA ÉPOCA DE MUITA ACÇÃO
ONDE SE MORREU E MATOU
LEMBRAR COM ESTA NARRAÇÃO
EPISÓDIO POR MIM VIVIDO
SEM MÁGOA NO CORAÇÃO
MESMO NÃO TENDO CONSEGUIDO
A GUERRA NEM TODOS POUPOU
MAS O VIVO AINDA É PERSEGUIDO
SEM SABER PORQUE MATOU
SENTE-SE COMO TENHA MORRIDO
UM ABRAÇO PARA QUEM ME LEU
DESTE AMIGO QUE NÃO MORREU
Mário Manso
terça-feira, 29 de junho de 2010
HOMENS QUE NÃO ESQUEÇEMOS
BEM HAJAM CAMARADAS
DAS LANCHAS DE DESEMBARQUE
Os homens que aqui quero lembrar, honrar e homenagear, foram na guerra de África, quem esteve mais perto dos Fuzileiros naqueles momentos decisivos e muitos difíceis de que se reveste um desembarque em zona de combate, onde se morre ou se abate.
Foi apoiado na sua camaradagem e capacidade profissional, que desembarcamos e reembarcamos, muitas vezes. Fosse de noite ou de dia, sempre estiveram prontos a darem o seu melhor para que tudo corresse a contento dos seus fuzileiros. Nunca nos pediram nada em troca, a não ser, que todos regressássemos são e salvos, e isto, nunca se esquece e para sempre na memória permanece.
Foram espectadores de muitas situações quase macabras, quando as suas residências flutuantes, sem indumentária serviram de morgue ou casa funerária.
Sempre que algum camarada quer fosse ou não da Marinha, que da sua logística teve necessidade, mesmo morto, nunca se furtaram a dar o seu melhor até para que na morte, pudesse existir alguma dignidade, foi preciso destes bravos, muita disponibilidade.
Os Fuzileiros, sempre se sentiram muito perto destes filhos da escola, para todos eles, o nosso obrigado por todo o esforço dado em prol dos objectivos de cada missão, em que também eles estiveram envolvidos de corpo e alma. Todos merecem o orgulho que representa para os Fuzos a sua Boina mas, na impossibilidade de vos a impor, serão bem vindos à nossa associação e será para todos nós, um privilégio ter sócios tão especiais como vocês, para que possamos continuar a conviver agora, felizmente numa de paz e harmonia, que por exigências da pátria, nem sempre nos envolveu, e que, de quase todos, parece até, que já se esqueceu. A ingratidão, não é solução para quem deu os melhores anos de vida, ao serviço da nação.
Para todos o meu saudoso abraço.
Mário Manso
DAS LANCHAS DE DESEMBARQUE
Os homens que aqui quero lembrar, honrar e homenagear, foram na guerra de África, quem esteve mais perto dos Fuzileiros naqueles momentos decisivos e muitos difíceis de que se reveste um desembarque em zona de combate, onde se morre ou se abate.
Foi apoiado na sua camaradagem e capacidade profissional, que desembarcamos e reembarcamos, muitas vezes. Fosse de noite ou de dia, sempre estiveram prontos a darem o seu melhor para que tudo corresse a contento dos seus fuzileiros. Nunca nos pediram nada em troca, a não ser, que todos regressássemos são e salvos, e isto, nunca se esquece e para sempre na memória permanece.
Foram espectadores de muitas situações quase macabras, quando as suas residências flutuantes, sem indumentária serviram de morgue ou casa funerária.
Sempre que algum camarada quer fosse ou não da Marinha, que da sua logística teve necessidade, mesmo morto, nunca se furtaram a dar o seu melhor até para que na morte, pudesse existir alguma dignidade, foi preciso destes bravos, muita disponibilidade.
Os Fuzileiros, sempre se sentiram muito perto destes filhos da escola, para todos eles, o nosso obrigado por todo o esforço dado em prol dos objectivos de cada missão, em que também eles estiveram envolvidos de corpo e alma. Todos merecem o orgulho que representa para os Fuzos a sua Boina mas, na impossibilidade de vos a impor, serão bem vindos à nossa associação e será para todos nós, um privilégio ter sócios tão especiais como vocês, para que possamos continuar a conviver agora, felizmente numa de paz e harmonia, que por exigências da pátria, nem sempre nos envolveu, e que, de quase todos, parece até, que já se esqueceu. A ingratidão, não é solução para quem deu os melhores anos de vida, ao serviço da nação.
Para todos o meu saudoso abraço.
Mário Manso
Subscrever:
Mensagens (Atom)